Nostalgia, mundo conectado, a internet das árvores e as lições que a natureza resiliente nos ensina.

Já percebeu que a nostalgia está na moda? Do vestuário aos dispositivos tecnológicos, tem gente optando por desengavetar a sua própria versão de anos atrás, talvez até numa tentativa de se agarrar a um momento em que a vida não parecia tão complicada.
Faço parte da chamada geração Y (os famosos “millennials”). Apesar de essa sopa de letrinhas ainda confundir meio mundo, a vivência — muito além da idade — é o que melhor define tais grupos e suas divisões. A minha turma é aquela que nasceu do início dos anos 80 até meados dos 90. Que ficou dividida entre o mimeógrafo e a tão sonhada impressora; entre o Walkman e o Discman; entre o orelhão e o tijolão para fazer e receber ligações; entre as aulas de datilografia e os cursos de informática que surgiam em cada esquina; entre as cartas em papéis decorados e as mensagens curtas pelo bipe. E se você também veio ao mundo em tempos pré-internet, provavelmente já se pegou pensando em algum momento: “Como eu conseguia viver sem conexão?”.

Apesar de ser uma pergunta retórica, para a qual não necessariamente se busca resposta, existe, sim, uma explicação bem simples: a gente se adapta a tudo. Nossas ferramentas são modeladas de acordo com as necessidades do momento, então não é constante essa sensação de estar faltando alguma coisa, de uma saudade do que ainda vai ser inventado. Isso sem contar o fato de que as conexões também estavam lá, já acompanhavam nosso “eu” de antes. Só eram diferentes dessas de que acreditamos depender atualmente.
Mas de onde vem tanta flexibilidade e poder de adequação para conseguirmos nos encaixar direitinho no tempo e no espaço em que vivemos? Seria o instinto de sobrevivência? A natureza é a maior e melhor professora dessa matéria, e eu aposto que você, mesmo sem perceber, já assistiu a essa aula ao observar pequenas plantas que surgem no canto do asfalto; animais minúsculos que atravessam obstáculos carregando dezenas de vezes o próprio peso; ou até aquele mofinho indesejado que aparece do nada em certos alimentos, mesmo com a geladeira fechada. Como eles conseguem essas façanhas? Acompanhando o documentário Fungos: Teia da Vida, disponível na aquarius, fui surpreendido por algumas habilidades incríveis desses organismos pouco falados (ou muito malfalados), mas que estão sempre presentes no nosso dia a dia. Seja na alta gastronomia com as trufas brancas e negras, na indústria farmacêutica com a penicilina ou até no quintal de casa com aquele cogumelo simpático, é bem comum nos depararmos por aí com algum ser pertencente ao Reino Fungi.

Um dos trechos do filme que me fez refletir foi justamente quando o assunto era resiliência. A cantora islandesa Björk, que abrilhantou a produção emprestando sua voz doce para a narração, em certo momento diz:
“Se os fungos nos ensinaram algo, é que aqueles que conseguem se adaptar sobrevivem.”
Isso porque eles vêm dando um jeitinho de se acomodar por aqui há cerca de um bilhão de anos, e essa evolução segue firme e forte. A ciência já mostra que, apesar de os fungos normalmente perderem algumas de suas capacidades quando submetidos a temperaturas elevadas, há espécies que desenvolvem resistência ao calor e conseguem se estabelecer mesmo em meio às mudanças climáticas.
Sobre esse tema, é possível ainda considerar que a própria adaptação dos seres humanos deve muito ao Reino Fungi, já que carregamos boa parte da culpa pelas alterações no clima do planeta, enquanto os micélios — conjuntos de filamentos de fungos multicelulares — tratam de extrair anualmente mais de 5 bilhões de toneladas de carbono da atmosfera. Ou seja, a gente vai na frente destruindo e eles vão atrás consertando. E depois dizem que somos as únicas criaturas inteligentes…
O biólogo britânico Merlin Sheldrake, que também participa do doc, é autor de um livro que precisa estar na mesa de cabeceira de quem curte esse assunto: Trama da Vida – Como os Fungos Constroem o Mundo. Ali ele descreve o micélio de maneira sucinta e gentil: “Extravagante”. Ou seja, que vaga além de seus limites, porque é, segundo o especialista, “um corpo sem contorno”. A natureza não é incrível? E não são só esses os superpoderes fúngicos: já ouviu falar na internet das árvores?

Se o ser humano resolveu ampliar suas conexões criando a Rede Mundial de Computadores (ou World Wide Web, o tradicional “www” dos endereços virtuais), pode-se dizer que o Reino Fungi, por incrível que pareça, não ficou para trás. Estudos vêm demonstrando a surpreendente capacidade de comunicação entre espécies da flora, através de extensas redes subterrâneas formadas por fungos e raízes. Essa relação simbiótica, em que ambas as partes se beneficiam, é conhecida como micorriza. O “www”, neste caso, significa Wood Wide Web, um trocadilho com a tradução em inglês para “madeira”.
“Tá, vai dizer agora que também existe o www.foongle.com, o site de busca dos cogumelos?”. Não, vamos com calma. A internet das árvores é diferente, com funções ligadas à troca de água, de nutrientes e também ao compartilhamento de algumas informações importantes para a sobrevivência das espécies, como avisos de que determinadas pragas podem estar a caminho. Esse é o verdadeiro exemplo de resiliência!

Outra propriedade que demonstra bem a capacidade de adaptação desses organismos é a produção de substâncias tóxicas, que servem como mecanismo de defesa. Afinal, eles precisam mostrar algum poder contra os predadores. E os humanos não estão imunes a esses venenos, viu?
O micologista Paul Stamets, autor de diversos livros sobre o tema, comenta na obra Psilocybin Mushrooms of the World – An Identification Guide (“Cogumelos Psilocibinos do Mundo – Guia de Identificação”, em tradução livre) que precisamos estar sempre atentos quando quisermos utilizar um cogumelo para qualquer fim. Há espécies inofensivas que se confundem com outras perigosas, então não vá se arriscar a sair por aí catando, só porque parecem gente boa!

Se todos esses atributos dos fungos não te surpreendem, faça como nos antigos jogos de tabuleiro e volte duas casas. Experimente se enxergar lá no passado, buscando aceitação em um ambiente novo, aprendendo a mexer em um aparelho moderno, provando uma comida pela primeira vez, testando os limites do próprio corpo em uma coreografia inédita. Tudo isso é adaptação, e basta olharmos em volta para percebermos que não somos a única espécie da Terra que segue tentando se ajustar a um contexto fluido, de mudança constante. É necessário dançar conforme a música. Já saiu da sua zona de conforto hoje?
Neste texto:

Filme: Fungos: Teia da Vida, na aquarius

Pedro Castro Nunes é redator e produtor audiovisual, apaixonado por televisão, rádio e pela escrita. Como bom observador, escuta mais do que fala, lê mais do que escreve e é impactado mais do que impacta — às vezes, contudo, inverte o jogo.
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