Escrevo esse texto enquanto a babá eletrônica me encara dizendo: sua filha pode acordar daqui a 3 minutos, 30 minutos ou 3 horas. Entre as centenas de mudanças que a maternidade traz, a do tempo é a que mais me comove – e desespera – afinal, o relógio é meu, mas o ponteiro é do bebê. Em malaio, existe a expressão pisang zapra, que significa ‘o tempo certo de comer uma banana’. E eu queria inventar uma palavra nova para especificar o tempo de tomar um café depois que você tem filhos.
O café esfria, você esquenta no microondas. Agora vai. Não foi. O bebê chora, você acode e a xícara fica ali esquecida no cemitério das xícaras esquecidas espalhadas pela casa. A primeira vez que tive contato com esse tempo suspenso da maternidade foi na primeira noite de vida da Mabel. Ela dormiu ao meu lado e eu lembro de não ter pregado os olhos durante toda a madrugada com medo dela parar de respirar subitamente. Às seis horas da manhã, a enfermeira trouxe o café da manhã pro meu quarto e perguntou se eu havia dormido bem. E eu disse que sim (embora eu quisesse ofender qualquer pessoa que me desejasse um ‘’bom dia’’).

A maternidade coloca a gente na arena da vida, a procrastinação não existe, não tem espaço pra existir. E olha que eu era uma procrastinadora de carteirinha. É curioso ver como as urgências mudam. E que detalhes triviais da rotina sem filhos viram um luxo tremendo depois de parir. Um banho, escolher com calma a roupa, fazer xixi, se olhar, se encontrar. A gente se adapta, claro, mas a que custo?

O puerpério seguiu de forma tranquila. Foi uma espécie de furacão frustrado em que os meteorologistas cravaram que seria de categoria 5: avassalador, desumano, destruidor. Mas a intensidade foi diminuindo e virou uma tempestade tropical. A maternidade me jogou pra arena da vida e me fez silenciar os ruídos lá de fora pra eu seguir a experiência, que era só minha. Sem dicas infalíveis do feed do Instagram, sem a avalanche de conselho de outras mães.

Apenas minha intuição e eu. Esse exercício me obrigou a viver a minha própria sinceridade e fazer dela um combustível para gestar e criar um ser humano – que ainda continua dormindo pela babá eletrônica. E o tempo continua em suspenso porque não tem nada mais milagroso, bonito e cheio de vida de ter um filho crescendo no quarto ao lado.
Mãe de primeira viagem, madrasta com três passaportes carimbados
Mesmo sendo mãe de primeira viagem da Mabel, eu já experimento uma outra forma de maternar há 7 anos, que é a madrastidade. Martin, Antônio e Alice me tornaram mãe também. Com eles, senti na pele e no coração as dores e delícias de ser responsável por outro ser humano. De precisar educar outro ser humano. Dar limite. Compreender. Pegar na mão (e muitas vezes no pé). De sentir vontade de fugir e de ficar e tudo que envolve essa dança. E o curioso é que não me sinto mais ‘mãe’ agora que tenho uma filha do que quando eu tinha apenas enteados. A minha dinâmica familiar com crianças que não gerei sempre foi tão singular que meu espaço de mulher que materna nunca foi questionado.

‘’Quando você for mãe, você vai entender”, esse típico conselho que mães adoram dar para mulheres que ainda não são mães nunca bateu por aqui. Desculpe, ainda não entendi. Ou na verdade, eu sempre entendi.
É preciso reconhecer e legitimar todas as formas de maternar. Lembro que quando me tornei madrasta, não havia manual, livro, filme ou qualquer tipo de guia que pudesse auxiliar nessa nova jornada. E eu fui caminhando com os meus passos e hoje sou a referência de madrasta que eu gostaria de ter tido lá atrás – é óbvio que isso tem um custo emocional muito grande, mas que é possível manejar e navegar feliz com essa configuração familiar.
Muitas madrastas, ao se verem nessa posição, ficam à deriva e isso causa uma angústia gigante da qual quase não se fala sobre, embora o número de madrastas no país só aumente, tendo em vista os últimos levantamentos sobre casamentos e novas configurações familiares.
Lembro que uma amiga de infância tinha uma madrasta. Ela cozinhava bife com batata frita pra gente toda quinta-feira depois da aula e ajudava nas maquetes e tarefas que precisava de algum adulto para manusear uma tesoura. Naquela época, eu não a via como madrasta e sim como a ‘esposa do tio Sérgio’, pai da minha amiga.
Aquela mulher sempre esteve lá, mas encoberta por um estigma (nem a minha amiga se referia a ela como madrasta), que possivelmente nunca foi quebrado. Ela maternava, levava a gente nas festas, dava conselhos, estudava com a gente e eu nunca enxerguei o papel daquela mulher. Desculpa, madrasta da minha amiga, por nunca ter te colocado no pedestal que você merecia por criar alguém que você não gestou.
Temos muito caminho a percorrer em relação à madrastidade, que é uma dinâmica curiosamente antiga em termos de incidência e quase nula em termos de visibilidade. Andamos muito com diversas questões femininas, mas a figura da madrasta parece que parou no tempo e isso é muito prejudicial quando pensamos em termos em parentalidade, feminino e questões de gênero.
Neste Dia das Mães, celebremos todas as mulheres que maternam. Que pariram ou não. Que passaram pelo puerpério ou não. As que cuidam, educam, estão lá, presentes.