Quando o corpo fala mais alto que a razão

Nesta edição: Reflexões sobre emoções, hormônios e autoconhecimento.

Às vezes, o corpo dá sinais antes mesmo de conseguirmos escutar. E, às vezes, ele grita.

A minha jornada com os hormônios começou de forma bastante direta: com o diagnóstico de câncer na tireoide e a cirurgia para retirá-la. Foi ali que compreendi, de forma visceral, que a tireoide não é apenas uma glândula — é como um maestro silencioso que rege o ritmo, a energia, o humor, o sono, a memória. A ausência dela, mesmo com reposições, muda tudo. O corpo não responde da mesma forma. Acordar, raciocinar, lidar com o frio, com o cansaço ou com as emoções… tudo exige um novo tipo de escuta, de atenção, de paciência.

E como se não bastasse essa primeira revolução interna, veio a segunda: a perimenopausa. Uma fase cheia de sintomas, dúvidas e transformações. Ondas de calor, insônia, lapsos de memória, ansiedade sem motivo, oscilação de humor, baixa libido — e aquela sensação confusa de que algo em você mudou, mas você não sabe exatamente o quê. Um corpo que parece outro, uma mente mais sensível, um sistema emocional que desafia até a lógica mais racional.

No meu perfil @50.cinquentando, onde compartilho vivências com outras mulheres 50+, recebo mensagens diariamente de mulheres com relatos parecidos — e muitas vezes ainda mais intensos. Histórias de diagnósticos tardios, de sintomas ignorados por anos, de vidas impactadas sem que elas entendessem que, no fundo, era o sistema hormonal pedindo socorro.

Foi nesse contexto que encontrei o documentário “O Fantástico Mundo dos Hormônios”, da BBC, apresentado pelo endocrinologista John Wass. E foi como abrir uma porta. De repente, havia uma linguagem para traduzir aquilo que eu sentia, e um universo inteiro — invisível, mas profundamente atuante — se revelou diante de mim: o dos hormônios.

O que o documentário traz não é só ciência. É quase poesia aplicada ao corpo humano. Com leveza e profundidade, Wass nos mostra como essas pequenas substâncias químicas são, na verdade, gigantes em influência: regulam desde o nosso apetite até nossas reações de amor, medo, prazer, agressividade, memória. Tudo aquilo que, muitas vezes, atribuímos ao “emocional” — ou até à “idade chegando” — pode ter explicações muito mais profundas — e químicas.

Uma das histórias que mais me tocou no documentário foi a de Charles Byrne, um homem do século XVIII que cresceu mais de dois metros por conta de um tumor na glândula pituitária. Seu corpo cresceu descontroladamente devido à produção exagerada do hormônio do crescimento. O caso dele, entre tantos outros, evidencia o quanto nossos hormônios podem alterar completamente o funcionamento — e o rumo — das nossas vidas.

Wass também revisita experimentos realizados com galos no século XIX, quando cientistas começaram a desconfiar que certas glândulas produziam substâncias capazes de alterar comportamento. Era o início da descoberta do que hoje conhecemos como sistema endócrino — um sistema tão sensível quanto poderoso, que regula praticamente todas as funções do corpo humano.

Ao assistir, me peguei pensando em quantas mulheres, como eu, passaram anos tentando “controlar” sintomas sem entender que o desequilíbrio vinha de dentro. Que a ansiedade repentina, o desânimo, a perda de concentração, o sono leve, a variação de peso, tudo isso podia ser mais que fase, mais que estresse. Era o corpo pedindo uma nova forma de cuidado.

A experiência com esse documentário também me fez lembrar de outras abordagens mais integrativas, como a do Ayurveda, retratada em outro filme que me marcou muito: “O Médico Indiano”, sobre o Dr. Vasant Lad. Ali, o corpo é visto como um todo — físico, emocional, energético. E não se trata apenas de tratar sintomas, mas de escutar o que eles dizem.

No fim, o que todas essas narrativas nos mostram é que o corpo não mente. Ele fala. E quase sempre sussurra antes — nos hormônios, nos sinais, nas mudanças silenciosas. Talvez o verdadeiro autoconhecimento comece por aí: entender que há forças dentro de nós que não são fraqueza, mas mensagem. E que o desequilíbrio nem sempre é um erro — pode ser só o corpo pedindo passagem para dizer: “Ei, olha pra mim.”

Se você também já se sentiu deslocada, confusa ou cansada sem motivo… se alguma vez se perguntou “o que está acontecendo comigo?”, recomendo fortemente esse mergulho no “Fantástico Mundo dos Hormônios”. Não é só um documentário. É um espelho. Um mapa. Um convite para olhar o próprio corpo com mais curiosidade — e menos julgamento.

Porque, às vezes, o caminho para a autocompaixão começa entendendo que o que sentimos não é loucura. É química. É vida. E é potência. E pra quem deseja aprofundar esse mergulho interno, recomendo dois companheiros de jornada:

  • o livro “A Coragem de Ser Imperfeito”, da Brené Brown, que nos ensina que a vulnerabilidade não é fraqueza, mas a mais corajosa forma de viver com inteireza — especialmente quando o corpo e as emoções parecem andar em descompasso;
  • e a música “Oração ao Tempo”, de Caetano Veloso — uma oração laica, um sussurro poético sobre as transformações silenciosas e inevitáveis que o tempo imprime em nós. Assim como os hormônios: invisíveis, mas capazes de mover mundos.

Porque o autoconhecimento, assim como o equilíbrio hormonal, não é um destino.

É uma travessia.

E nessa travessia, toda mulher merece ser ouvida — inclusive por si mesma.


Neste texto e para ir além:

Livro: A Coragem de Ser Imperfeito, de Brené Brown

Música: Oração ao Tempo, de Caetano Veloso


Patrícia Ceola

Patrícia Ceola é Idealizadora do perfil @50.cinquentando e empresária do ramo audiovisual, além de escritora e eterna curiosa sobre o universo feminino. Formada em Letras (USP) e com duas pós-graduações (PUC-SP e PUC-PR), tem paixão por tudo que envolve saúde emocional, expressão e reinvenção.

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