Pessoas mudam o mundo (e pessoas)

Nesta edição: Efeito dominó, iniciativas pelo planeta e como atitudes simples podem proporcionar o bem coletivo.

É comum dizerem por aí que “nada é tão ruim que não possa piorar”, mas essa tendência à tragédia não precisa ser levada para a vida como regra. Podemos escolher deixar a melancolia de lado e enxergar cada situação com um olhar menos novelístico e mais focado nas soluções.

Você já deve ter ouvido falar no chamado efeito dominó, que compara uma cadeia de acontecimentos às peças do jogo tombando em cascata. Mas e quando temos a opção de intervir nessa sucessão de eventos, será que agimos o suficiente? Confesse diante do espelho: você tem feito o que está ao seu alcance para cessar algum problema global e possibilitar que as próximas gerações vivam em um ambiente mais sustentável, por exemplo? É provável que não, e tudo bem, ninguém precisa ter vocação para Capitão Planeta. No entanto, a própria natureza nos oferece demonstrações práticas de que o efeito dominó do bem é uma boa saída para garantir o futuro do nosso lindo balão azul.

Para facilitar a visualização, aqui vai uma situação plausível: em uma área de terra saudável, sem a presença de produtos químicos que interfiram na proliferação de organismos, um suíno pode se sentir à vontade para fuçar o solo em busca de alimentos — como fungos ou raízes. No espaço remexido pelo focinho de tomada, minhocas e larvas alcançam a superfície, proporcionando o banquete para alguns pássaros. Estes, por sua vez, trazem no bico pequenos frutos, cujas sementes repousam ali, naquele berço propício para o desenvolvimento de novas árvores, novos frutos, novas sementes e novas raízes que irão alimentar novos porquinhos. O ciclo não parece perfeito?

Contudo, essa linda corrente da vida pode ter seus elos rompidos pela ganância humana e uma falta de projeção de expectativas a longo prazo. Quando se resolve usar determinado espaço de terra para implementar um sistema agrícola agressivo, pouco importam as consequências que aquilo irá gerar dali a um tempo. Afinal, o que poderia ser mais importante do que o lucro rápido para os bolsos dos grandes fazendeiros, não é mesmo? (Contém ironia).

Um caso que retrata bem como podemos fazer a nossa parte está registrado no documentário Selvagem, disponível no catálogo da aquarius. A produção narra a história da Fazenda Knepp, no sudeste da Inglaterra, e o intenso processo de recuperação florestal a que ela foi submetida. Tudo começou quando Charlie Burrell recebeu como herança um castelo do século XIX rodeado por terras, e tentou por mais de uma década cultivar seus produtos naquele terreno. Nunca deu muito certo.

No início dos anos 2000, ele e a esposa, Isabella Tree — autora do livro Wilding, que deu origem ao filme —, desanimados por dependerem de subsídios para manter o negócio, foram orientados a pensar fora da caixa. Era preciso urgentemente interromper aquela sequência de agressões ao meio ambiente, que propiciava uma desastrosa e crescente bola de neve de dívidas e dúvidas: esse é o caminho certo a seguir? Até que ponto é viável persistir no erro?

Dali em diante, tudo mudou. Com animais retomando seus habitats e novas vidas vegetais surgindo sem a interferência de produtos nocivos, os 1400 hectares que padeciam voltaram a respirar aliviados, bem como boa parte daquela região europeia. Mas nem precisamos ir tão longe: temos aqui no Brasil um projeto que ensina com maestria que é possível fazer a diferença. Já ouviu falar no Instituto Terra?

A ONG criada por Sebastião Salgado e a esposa Lélia Wanick ficou mundialmente conhecida. E isso não se deu apenas pelo nome já relevante do fotógrafo, mas também porque a iniciativa apresentou resultados surpreendentes. Não é todo dia que se testemunha a regeneração de mais de 700 hectares de Mata Atlântica, além da realização de pesquisas em engenharia ambiental que trazem benefícios reais e práticos.

Essa história começa em 1998, quando um desejo de Sebastião passou a ser posto em prática: interromper o ciclo de degradação da Fazenda Bulcão, em Minas Gerais, onde ele viveu a infância. Com o sucesso do projeto, a atuação iniciada no município de Aimorés, em Minas Gerais, acabou se expandindo e virando referência em restauração de biomas. Mas se as florestas voltam a ocupar os espaços, como as famílias que dependem da agricultura podem se beneficiar? O segredo está na água. Quanto mais florestas, mais chuvas; quanto mais chuvas, mais o solo da região e do entorno será propício para o plantio. E aí a gente volta àquela história dos ciclos positivos.

Para conhecer mais a fundo as iniciativas do instituto, é possível assistir na aquarius ao documentário O Sal da Terra, sobre a rica trajetória de Sebastião Salgado. Na obra indicada ao Oscar de 2015, ele e Lélia explicam como tudo começou e o que ainda precisa ser feito. Sim, ainda tem muito a se fazer, e o ideal é que cada um entenda qual a sua fatia de responsabilidade nesse bolo.

“Tá, mas eu moro numa selva de pedra e não tenho acesso a florestas, o que eu faço?”. Ninguém precisa ser o Tarzan para se colocar do lado da natureza, é possível ajudar com pequenas atitudes no dia a dia. Iniciativas muito simples podem criar a tal cadeia de resultados favoráveis que buscamos.

O primeiro passo é dentro de casa. Aqueles banhos demorados podem ser um pouco mais rápidos, as luzes podem ser apagadas se não estamos no cômodo, e até aquela ida de carro à padaria pode ser substituída por uma boa caminhada sem queima de combustíveis. Bom, tem uma queima de calorias aí, mas é até bom para compensar a ingestão do pãozinho. E, claro, o mais importante de tudo isso é fazer com que as crianças criem hábitos mais adequados à sustentabilidade, porque são elas que, lá na frente, vão passar essas ideias adiante, perpetuando o efeito dominó dos bons exemplos.

Mas isso não se restringe às questões ambientais. Qualquer boa ação é o gatilho ideal para dar início a uma sequência de desfechos benéficos — e eles, cedo ou tarde, retornam. Aquele elogio na hora certa que muda o dia de alguém no trabalho, um abraço na pessoa que está ao seu lado em casa, um “bom dia” ao vendedor de balas no sinal. E aproveitando a onda da campanha Junho Vermelho, uma única doação de sangue pode salvar até quatro vidas, imagina a quantidade de destinos transformados a partir de um gesto tão simples. São carreiras, famílias, descobertas, criações, tudo isso preservado porque você resolveu dedicar alguns minutos para fazer o bem.

Aos militantes de sofá: vamos sair da inércia? Apontar o dedo para criticar não muda nada. Se existe uma vontade genuína de fazer a diferença, é preciso dar um peteleco na primeira peça do dominó e buscar resultados concretos, seja pelo bem do planeta, de um familiar ou até de algum desconhecido que, da mesma forma, precisa de você. Qual foi a sua boa ação do dia?


Neste texto e para ir além:

Documentário: Selvagem, na aquarius

Documentário: O Sal da Terra, na aquarius

Livro: Wilding, de Isabella Tree


Pedro Castro Nunes

Pedro Castro Nunes é redator e produtor audiovisual, apaixonado por televisão, rádio e pela escrita. Como bom observador, escuta mais do que fala, lê mais do que escreve e é impactado mais do que impacta — às vezes, contudo, inverte o jogo.

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