Além da Dor: um experimento aparentemente inusitado, mas eficaz

Nesta edição: reflexões sobre a cura pela fala

Imagine ouvir que milhões de pessoas convivem com dores nas costas, dores de cabeça ou outros incômodos que resistem a todo tipo de tratamento — fisioterapia, quiropraxia, yoga, remédios, massagens. Agora, imagine descobrir que a maioria dessas pessoas poderia aliviar quase todos os sintomas e, em muitos casos, até se livrar da dor por completo. Você acreditaria?

Tradicionalmente, considera-se dor crônica aquela que persiste por mais de três meses. É uma condição que costuma deixar médicos intimidados, já que não existe um tratamento padrão capaz de garantir resultados consistentes. Pacientes passam anos em busca de soluções, acumulando diagnósticos e frustrações.

Alan Gordon, psicoterapeuta e fundador do Pain Psychology Center [Centro de Psicologia da Dor], em Los Angeles, encara esse cenário como uma verdadeira epidemia. Ele próprio sofreu durante anos com dores incapacitantes nas costas, sem encontrar resposta nos métodos tradicionais. Foi a partir dessa experiência que ele desenvolveu a Pain Reprocessing Therapy (PRT), ou Terapia de Reprocessamento da Dor.

A proposta é simples na teoria e ousada na prática: reprogramar o cérebro para que ele deixe de interpretar certos sinais como ameaça. O foco está no medo da dor, já que esse costuma ser um dos principais combustíveis do sintoma. Com técnicas psicológicas, os pacientes aprendem a substituir “comandos antigos”, que mantinham a dor ativa, por novos padrões mentais capazes de desarmar o ciclo. Trata-se de um novo paradigma apoiado nos avanços da neurociência, que mostra como o cérebro, ao esperar sentir dor ou ao temer uma lesão, pode acabar criando sintomas mesmo sem haver um problema físico.

No documentário Além da Dor, acompanhamos sessões de Gordon com pacientes diagnosticados com dor neuroplástica, isto é, sem causa estrutural. São pessoas que sentem dor, mas não apresentam lesão ou alteração física que a justifique, o que as aproxima de milhões de outros pacientes mundo afora. Em uma das histórias mais marcantes, vemos um homem incapaz de permanecer em pé por mais de 30 segundos por causa da intensidade da dor. Ao longo das sessões, a interpretação inconsciente de que “ficar em pé é perigoso” vai sendo trabalhada. Aos poucos, a rigidez cede, o medo diminui e ele recupera a capacidade de levar uma vida normal.

Os encontros filmados são supervisionados por especialistas em dor crônica e neurologistas, com monitoramento por ressonância magnética. O método central, chamado rastreamento somático, consiste em fazer o paciente observar as sensações de dor com curiosidade e a convicção de que o corpo está seguro. Com o tempo, essa mudança de olhar menos assustada transforma a experiência da dor.

Os resultados impressionam. O estudo que fundamenta o documentário foi publicado em 2021 na prestigiada revista médica JAMA Psychiatry. Após o tratamento, a maioria dos pacientes não apenas compreendeu que a dor não era uma ameaça real, como também relatou melhora significativa: em dois terços dos casos, os sintomas desapareceram por completo. As imagens de neuroimagem comprovam a reconfiguração dos circuitos cerebrais relacionados à dor.

Se você, ou alguém próximo, convive com a dor crônica, Além da Dor é um filme curto, com menos de uma hora, que vale a pena assistir. Ele pode até causar desconfiança por apresentar um método inovador e, à primeira vista, inusitado. Mas é justamente por isso que merece atenção. O filme mostra que, mais do que um sintoma físico isolado, a dor crônica é também resultado de uma complexa interação entre mente e corpo. Ao ampliar essa compreensão, o documentário abre novas possibilidades de tratamento. E de esperança.


Neste texto e para ir além:

Filme: Além da Dor

Livro: Dor nas costas: Descubra a verdadeira origem de sua dor e como curá-la, de Dr.  John E. Sarno

Livro: The Way Out, de Alan Gordon

Livro: When the Body Says No [Quando o corpo diz não], de Gabor Maté


Cristhiane Ruiz

Cristhiane Ruiz é editora e psicóloga. Já enfrentou uma capsulite que a deixou alguns meses com muita dor e com pouco movimento em um dos braços.

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