
“A coisa mais moderna que existe nesta vida é envelhecer”. Em 2009, quando eu tinha 14 anos, e escutei pela primeira vez esse trecho da música “Envelhecer”, do Arnaldo Antunes, estranhei. Naquela época, a terceira idade parecida que chegava quando a pessoa completava 40 anos, eu chamava todo mundo de “tia ou tio”, e os trinta anos pareciam tão distantes quanto os carros elétricos. Hoje, vejo meus pais com mais disposição que eu (vergonhoso, eu sei), minha avó chegando aos 100 anos e um holofote importante sobre o envelhecimento.

Para muitas pessoas, a palavra ‘aposentadoria’ sugere se recolher ao aposento. Descansar. Esperar. Mas esperar o quê, exatamente? Aposentadoria não é o fim da linha. É a chance de se reinventar. De explorar novos talentos, viajar, estudar, amar, e descobrir o que realmente importa. Porque a longevidade é um paradoxo curioso, né? Perdemos potencial físico, mas ganhamos maturidade e parece que estamos, finalmente, prontos, para olhar para isso como sociedade.
Você reparou que ultimamente os 50+, 60+ e até 70+ estão ocupando cada vez mais espaço nos realities, programas e conversas de internet? Eles não são mais só “figurantes demográficos” e sim protagonistas de histórias carregadas de bagagem, sonhos, desejos, tabus quebrados e muito carisma.

De “Casamento às Cegas: 50+” a “Queer Eye”, vemos pessoas repensando relacionamentos, retomando sonhos e mostrando que idade não é limite. E quanto mais se fala, mais o tabu cai. É uma via de mão dupla essencial porque, de um lado, reafirma a autoestima de quem está nessa faixa etária, e do outro, ajuda quem está mais jovem a entender que envelhecer não é “sair de cena”.
O paradoxo da aposentadoria

Apesar das dificuldades, as pesquisas revelam um fenômeno surpreendente sobre o bem-estar emocional dos aposentados brasileiros. Um estudo do Programa de Pós-graduação em Saúde Pública da Faculdade de Medicina da UFMG indica que aposentados apresentam maior satisfação com a vida em relação aos não aposentados Aposentados apresentam maior satisfação com a vida, aponta pesquisa – Faculdade de Medicina da UFMG. Nos primeiros três anos após a aposentadoria, há uma elevação significativa na satisfação, seguida por uma queda entre o terceiro e o oitavo ano, com posterior recuperação.
Uma pesquisa qualitativa realizada com 16 idosos entre abril e outubro de 2024 revelou quatro categorias temáticas principais: a aposentadoria como meio de sobrevivência; disponibilidade de tempo e liberdade; impactos na saúde mental e distanciamento da rede social; e benefícios do grupo de convivência para idosos aposentados. Esses dados mostram que a aposentadoria é vivenciada de forma ambígua, com aspectos tanto positivos quanto desafiadores.
Talvez o último tabu da sociedade

Recentemente, escutei o podcast “Vibes em análise” sobre o tema do envelhecimento e vi que o buraco é um pouco mais embaixo, porque mesmo com as informações e debates sobre o tema, ainda é difícil discutir e pensar sobre o envelhecimento na sociedade atual, especialmente considerando a proliferação de produtos e discursos que prometem “congelar” ou até reverter o tempo. O resultado é uma cultura anti-envelhecimento que cria uma negação coletiva da realidade do passar dos anos e abre espaço para o etarismo.
O etarismo é o preconceito baseado na idade e se manifesta, muitas vezes, de forma sutil através de olhares tortos que desvaloriza quem já viveu muita coisa. Infelizmente, vemos o impacto do etarismo em vários lugares e discursos. Quando alguém diz que uma mulher “já passou da idade” pra usar um cropped, quando o mercado de trabalho fecha portas pra quem tem cabelos brancos, ou quando acham que tecnologia é “coisa de jovem”.
Pesquisas mostram que quatro em cada dez profissionais brasileiros já sofreram preconceito de idade no trabalho, e cerca de 7 em cada 10 profissionais com mais de 50 anos relatam ter sofrido discriminação ao buscar emprego.
Recomeçando….

Chegou na aquarius, o filme O Além do Aposento, que conta as histórias de idosos com concepções bem diferentes sobre a vida e a aposentadoria.
O senhor Anildo, por exemplo, não sabia o que fazer com o tempo livre, criou o hábito de se encontrar com os colegas no bar e acabou se tornando alcoólatra. Mas, graças a insistência de um amigo, começou a correr no parque, largou a bebida e descobriu uma vida prazerosa pós aposentadoria.

Dona Marília desde pequena gostava de nadar e, depois de trabalhar por 30 anos, decidiu se dedicar totalmente a esse esporte. Para ela, a aposentadoria não representou nenhum choque. Já seu Devarty nunca acreditou no conceito de aposentadoria, já que, para ele, é muito esquisito trabalhar por tantos anos para depois se aposentar. Ele procura viver sua vida no presente.

Outro personagem interessante é Guido, um sul-africano naturalizado brasileiro, que trabalhava como tradutor na cidade de São Paulo. Depois de sofrer um sequestro relâmpago com seu filho, decidiu viver na natureza e mudou-se para Ilhabela, onde trabalha até hoje com turismo. Ele vive com entusiasmo de uma criança e mostra que nunca deve ser tarde para mudar de vida.

Diagnosticada com osteoporose e orientada a praticar caminhadas, Tomiko foi desafiada por uma amiga a se inscrever em uma corrida. Mesmo depois de desmaiar em sua primeira prova, ela não desistiu e entrou para esse mundo do esporte. Atualmente, sua doença regrediu, ela participa de ultramaratonas e já chegou a correr inacreditáveis 217 km.

O ex-mecânico Koji veio de uma família bem pobre e, por ter sido privado na infância, descuidou da alimentação na vida adulta, o que o levou a ter um câncer no intestino e três infartos. Com o coração comprometido, começou a praticar patins inline no parque Villa-Lobos, entrou para uma equipe e descobriu uma nova vida depois da aposentadoria.

A gente costuma dizer que é necessário uma aldeia para criar uma criança, mas talvez também seja preciso uma aldeia para cuidar dos nossos idosos e transformar essa etapa da vida em um período de realização e bem-estar com criatividade e apoio comunitário.
Para ir além

Filme: Além do Aposento, na aquarius

Podcast: “Vibes em Análise” – DE REPENTE VELHOS
