Estressada, graças a deus

Nesta edição: o estresse como energia essencial, a banalização das nossas reações e o incômodo que precisamos sentir para mudar o mundo em que vivemos.

Hoje venho advogar em favor do estresse. Essa reação natural tão importante para nossa sobrevivência, evolução, socialização e sedimentação de pactos civilizatórios.

Sim, sei que a ansiedade é uma epidemia. Que todo mundo está estafado. Que a depressão bate na casa de 450 milhões de pessoas no mundo (e de acordo com a OMS será a doença mais comum até 2030).

Ainda assim, tudo cai na conta do meu amigo estresse?

As redes sociais foram tomadas por discursos sobre os “altíssimos” índices de cortisol – apelidado de hormônio do estresse – e o potencial nocivo que ele teria sobre o nosso humor, sono, ganho de peso e saúde. Ele é nosso vilão, entendi. E me senti imediatamente diagnosticadah: Sempre me senti mais estressada que calma. O mundo pressiona, meu corpo responde arredio. Vai ver por isso me sinto irritada, durmo pouco e fantasio mais do que deveria em ser o Michael Douglas num filme de 1993.

Daí veio a trend “infelizmente meu cérebro não sabe diferenciar” e diferentes memes com a mesma ideia: nosso cérebro não saberia diferenciar uma situação de perigo real à vidal, medo extremo, estresse justificado, de situações como fazer a 7ª correção numa apresentação, resolver DR com o boy, etc..

Desculpa, galera. O cérebro sabe sim. Ele tem que saber. Como uma pessoa que experimenta a maternidade, vive no Rio de Janeiro, paga mais boletos que gostaria, mas tem muitos privilégios, posso dizer que quando alguém entra na fila do caixa rápido de 15 volumes com 32, eu experimento a irritação e me sinto o Tony Soprano, mas ela é fisicamente e emocionalmente bem diferente do que acordar com seu filho com falta de ar por causa de uma doença. Ou fugir de um tiroteio, não ter como pagar o cheque especial, ser despejado.

Fiz como uma boa millennial faria e fui atrás de mais informação. Li algumas matérias, entrevistas com médicos sérios, dados e mais. Spoiler: parece que o cortisol não é vilão (nem herói). Em raríssimos casos de desregulação bioquímica, ele adoece, sim, mas também é um mecanismo natural que nosso corpo/mente encontraram para avisar que algo não está certo e preparar nosso corpo/mente para resolver e lidar com as consequências.

Na real, é o cortisol liberado em situações de estresse (que o cérebro sabe sim dosar quais merecem nossa chateação vs. ameaça) que modula nossa reação. Enquanto hormônio, ele também é responsável por fortalecer o sistema imunológico, a musculatura, controlar

Ok, se o problema não é o estresse solo – e ele pode me deixar até sarada se eu souber usar sua energia para levantar peso -, qual é o problema então? Por que tanto mal estar generalizado?

O documentário Viananda é o filme perfeito para explicar. Nosso problema é sistêmico. O que anda mal não é nossa reação à pressão, mas a própria pressão em si. Se não fosse o estresse, estaríamos piores. Anestesiados, acuados, alienados. É o estresse que ainda motiva essas conversas. E foi sempre ele que motivou a busca por um viver melhor, em convivência, segurança e colaboração. Conhecer o perigo nos fez procurar abrigo, nos fez convencionar que o outro era melhor como aliado do que como ameaça. Escolhemos viver em bando, porque juntos lidamos melhor com a adversidade.

Bonito, bonito, mas de vez em quando dou check na esofagite – alô alô pantoprazol – e saber que o estresse me salva de ser uma derrotista, não impede que as 76565 micro irritações cotidianas + a ansiedade contemporânea me afetem. Como, então, encontrar mais calma do que burnout?

Beleza. Arte. Ar pra dentro do pulmão. Pés no chão. Comida de verdade na mesa. Intenção. Comédia. Estar em dia com o que te espiritualiza. Democracia. Bem-estar Social.

Fui assistir Do Estresse para a Felicidade e é mágico como pode ser descomplicado lidar com esse negócio de ficar na pilha o tempo todo. Não é sobre esperar a vida plena chegar, mas encontrar uma certa disciplina na prática. Respirar e meditar não custa nada, só exige o ato. E nutrir nossos sentidos com arte, natureza e afeto também é uma boa saída se de fator estivermos presente ali. Os rituais são boas opções. Observar o detalhe de cada coisa, aceitar a impermanência, gostar que nada seja perfeito, ver beleza no que se rachou. Wabi-Sabi, os japoneses chamam.

Nenhuma dessas atitudes são coisas que podemos comprar. Ter um acessório, se matricular num curso, se dedicar ao seu wellness… Nada disso funciona sem um olhar interior que foi treinado para isso. De alguém orgulhosamente estressada, vos digo: ver como se pela primeira vez uma árvore mexendo no vento durante um mega engarrafamento e organizar o ar que entra e sai do seu corpo exatamente para aquele momento, ainda faz mais para sossegar seu excesso de cortisol do que a hot yoga para qual você está atrasada.


Neste texto e para ir além:

Para assistir: Viananda, na aquarius

Do estresse para a felicidade, na aquarius

Para ouvir: Elis e Tom


Andréia Martinz

Andréia Martinz

Se emociona com facilidade, se empolga com queijos, livros, filmes e podcasts. É mãe do Tom e para ele sua profissão é fazer a melhor crepioca do mundo. Na verdade, sua profissão é trabalhar com comunicação.

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