
Sabe aquele incômodo de se sentir deslocado em uma festa, sem avistar nenhum conhecido? Acho que todo mundo já passou por isso, o desespero de olhar para os lados e ter a sensação de estar sozinho numa ilha sendo rodeado por tubarões. A vontade é de sumir, ou que pelo menos toque logo Whisky a Go-Go anunciando o fim daquela tortura.
Sentir-se parte de um grupo é um dos objetivos mais comuns da vida humana. Na adolescência, quem nunca quis pertencer a uma turma específica e ser reconhecido como membro honorário daquela patota? Mas essa questão de desejarmos estar ao lado de semelhantes vai além dos interesses em comum. Não nos unimos só por conta de uma convergência de gostos musicais ou pela vontade de trocar ideias sobre determinado assunto, seja lá qual for. Nossa natureza social está relacionada até mesmo ao instinto de sobrevivência.
Quando nascemos, somos cuspidos em uma organização já estabelecida e da qual nos treinam para fazer parte. A formação da personalidade se dá a partir da combinação de fatores genéticos, ambientais e culturais, então o que encaramos desde a primeira luz vai auxiliar na construção do ego. Mas por que, então, muitas vezes chegamos ao ponto de desejar o isolamento, se isso vai de encontro à nossa natureza?

A resposta está na busca constante pela tal da felicidade. Enquanto corremos atrás dela de maneira quase obsessiva, somos também perseguidos pelas decepções. Se não encontramos as conexões necessárias nem mesmo nos ambientes coletivos, onde supostamente seríamos protegidos e beneficiados, é intuitivo acreditarmos que sozinhos iremos nos virar melhor. O que nos conduz até esse ponto é o fato de criarmos expectativas que nem sempre — ou quase nunca — são correspondidas. É comum tentarmos encontrar no outro ou na aceitação aquilo que nos falta, algum elemento mágico que preencha as lacunas para nos completar. Isso tem como dar certo?
O pacifista e ex-monge Satish Kumar diz no filme Amor Radical, disponível na aquarius, que podemos viver de duas maneiras distintas: como peregrinos ou como turistas. Enquanto os turistas criam expectativas e se decepcionam, os peregrinos seguem na linha da aceitação e do que ele classifica como “simplicidade elegante”.

Temos de concordar: quando estamos tensos com relação a alguma situação que pode vir a acontecer e bolamos um cenário mental, muitas vezes até com discussões pré-fabricadas, a ansiedade vai a mil. E adianta alguma coisa? Quanto mais queremos não sofrer, mais nos aproximamos do sofrimento.
Também já está no catálogo da aquarius o documentário O Despertar da Mente: A Mente Revelada. Assista e você vai se entender muito mais. A obra nos faz perceber que há uma insatisfação inerente à mente condicionada, chamada de Dukkha, relacionada à incapacidade de vivenciar o tão sonhado bem-estar contínuo enquanto praticamos nossas atividades mundanas.
E existe uma maneira de combater essa insatisfação? Será que dá certo se eu sair de todos os grupos de Whatsapp a que sou adicionado coercitivamente? Se eu me isolar na montanha mais alta e abrir mão de tudo e de todos, vou ser feliz? Sinto informar, mas é bem provável que não. A gente volta àquele caso da busca. Enquanto tentarmos desesperadamente encontrar a fórmula da vida perfeita, vamos tropeçar em rejeições, dificuldades e culpas. Então como fazer para abrir mão dessa corrida pela satisfação plena e vivenciar nosso verdadeiro propósito?

Ainda no documentário, o filósofo brasileiro Bernardo Kastrup afirma que o que muda o paradigma é enxergar que a vida não é sobre nós, mas sobre a natureza, sobre o todo, e que somos apenas manifestações pontuais desse fenômeno. Essa compreensão elimina o peso do descontentamento quando não atingimos objetivos pessoais, por exemplo, já que o que importa é o resultado no macro. Seria como uma isenção da responsabilidade cruel e desgastante de ser feliz. Quando deixamos ir embora todas as camadas que ofuscam nossa luz interior, esse esforço sobre-humano para alcançar a satisfação se torna dispensável.
“Destrave as janelas da dor
Que o fluxo da cura reluz
De um vale no seu interior
Caminho sagrado de um rio
Um templo secreto e só seu
Por lá tudo passará”
Sodoma e Babel, de Guilherme Arantes

“Somos como fragmentos que foram separados do todo, como peças de um quebra-cabeça que se desconectaram e se espalharam.”
Steve Taylor, psicólogo e autor britânico
Esse indivíduo separado, com que costumamos nos identificar, não existe. Somos parte de um único Eu, que seria a consciência infinita. O que se entende por “despertar” nada mais é do que perceber de uma vez por todas que a mente dualística, dividida entre a testemunha e o que é testemunhado, é simplesmente uma ilusão. Com isso, deixo aqui uma proposta que não parece muito tentadora, mas pode ser o seu ponto de virada: que tal parar de perseguir a felicidade e passar a perseguir a desilusão? Acredite, pode ser libertador.
Neste texto e para ir além:

Documentário: Amor Radical, na aquarius

Documentário: O Despertar da Mente, na aquarius

Música: Sodoma e Babel, de Guilherme Arantes