O ENTRETENIMENTO MUDOU. OU SERÁ QUE FOMOS NÓS?

Nesta edição: a dificuldade de lidar com os próprios pensamentos, as distrações como forma de fuga, e aprendendo a sobreviver ao ritmo do algoritmo.

Pense aí, o que te entretém ultimamente? Outro dia me peguei dividido, no celular, entre uma conversa por áudio sobre qualquer coisa, um aplicativo de tv por assinatura com transmissão ao vivo e o feed do Instagram, tudo ao mesmo tempo. Devo me preocupar? Não por estar com menos foco do que meus óculos embaçados, mas porque esse não é o padrão que costumo seguir. Em geral, me enrolo até para piscar os olhos e respirar ao mesmo tempo, mas parece que o cérebro dá um jeito quando se trata de novas formas de entretenimento. E isso considerando que não sou alguém tão antenado assim nos avanços do mundo digital.

Sempre fui adepto das coleções. Uma de minhas conquistas recentes foi um disco de vinil que adquiri em uma tradicional feira de rua aqui do Rio de Janeiro. Após uma garimpada em busca de outros títulos, por acaso encontrei esse que me fez tremer, por ser a gravação de um programa de rádio do qual sou muito fã: PRK-30. Sob o comando de Lauro Borges e Castro Barbosa, o humorístico fazia sucesso entre as décadas de 1940 e 1960 — ontem, praticamente, não?

Pois é, a coisa funcionava diferente seis décadas atrás, quando as famílias ainda se reuniam em torno de um único aparelho no centro da sala para acompanhar passivamente as tendências da indústria do comportamento, do humor, dos esportes e dos noticiários. E aí essa história de perceber que estamos hiperconectados me faz refletir sobre como o entretenimento se adequa não só às tecnologias disponíveis, mas aos costumes, à cultura e ao tempo que a sociedade se dispõe a investir naquelas atrações.

Time is money, já diziam por aí. O tempo, hoje, vale muito. Segundos de propaganda em determinadas mídias são caríssimos, e isso não se dá só pela visibilidade que os veículos prometem, mas também porque o público-alvo está cada vez menos disposto a acompanhar aqueles intervalos comerciais que dão sono, ou até mesmo a assistir a vídeos de quinze minutos no YouTube. Isso é tão 2010! Na época de Lauro Borges e Castro Barbosa, o ritmo era outro.

No mundo controlado por algoritmos, as exigências de otimização do tal do tempo são cada vez mais sufocantes. Quem diria que nos acostumaríamos a ouvir áudios do WhatsApp acelerados para economizar alguns instantes de vida? Analisando o mercado musical, as antigas composições de cinco minutos deram lugar a hits de um e pouco, dois, com introdução mínima até o refrão. E “ai” dele se não for chiclete! O som tem que grudar nos ouvidos e ficar por ali até quando conseguir, e essa proeza não costuma durar mais do que poucas semanas. Foi-se a época em que os artistas sonhavam em ter suas músicas divulgadas nas rádios, e de preferência liderando as paradas de sucesso por meses a fio. Hoje em dia, quem manda é a viralização em vídeos curtos que recebemos sem pedir (e até damos like sem gostar).

Certo, devemos admitir que a moda dos podcasts até ajudou a explicar para a nova geração o que é ouvir rádio. Contudo, ainda assim, o processo é diferente. Abrir mão de outras atividades e dedicar um momento do dia só para aquilo é impensável. Enquanto o pessoal está falando ali no streaming, outras coisas precisam ser resolvidas, nada de atenção exclusiva. Ou seja, os podcasts vieram para ser um “a mais”, não um “em vez de”. E assim a gente vai acumulando playlists de conteúdos que podem nem ser tão interessantes, mas ajudam a ocupar lacunas que seriam preenchidas por melancolias, pensamentos intrusivos, ansiedades… Fugir dos sentimentos é solução? Nem pensar, mas às vezes é questão de instinto.

Convenhamos que, apesar do leque de distrações que nos oferecem, está tudo meio chato, concorda? Viver se tornou questão de métrica, a criação orgânica não é mais tão bem-vinda. Isso se vê claramente em produções televisivas que precisam ser cada vez mais dinâmicas para segurar a atenção, e, lógico, nos feeds infinitos das redes sociais, sempre na tentativa de pescar o usuário nos primeiros cinco segundos de exibição. Começou mal? Não vai para frente, esquece. Se hoje qualquer pessoa pode gerar engajamento, onde vamos parar sob essa pressão constante? Nós simplesmente aceitamos calados mais uma causa de estresse, e insistimos em mantê-la forte e crescente.

O documentário TikTok Boom, disponível no catálogo da aquarius, retrata muito bem essa realidade. Ainda que não tenham total noção, as novas gerações enfrentam riscos por estarem constantemente sob a mira das grandes corporações do mercado digital. Essas empresas dependem não só dos conteúdos, mas de dados que vão alimentando seus sistemas e tornando os usuários cada vez mais reféns dos próprios hábitos. Os gigantes virtuais não vieram para brincar.

Uma das jovens que depõem na produção relata que, desde seus dezesseis anos, se vê obrigada a produzir vídeos e se manter relevante nas redes. Ela, inclusive, compara a situação com a de um relacionamento abusivo, do qual não é tão simples se desvencilhar por ainda haver uma dependência emocional e financeira envolvida. Mas o que os pais podem fazer para reduzir esses sintomas?

Como se trata de um comportamento difundido na era da internet, quem veio antes dificilmente terá a compreensão plena do que é ser incessantemente conduzido àqueles ambientes regidos pelos algoritmos. O entretenimento mudou, não adianta querer que os filhos simplesmente abram mão das modernidades. O ideal é buscar um meio termo, um equilíbrio entre esses mundos distintos, mas sabendo que existe uma questão cultural envolvida, e que precisamos nos adaptar a ela.

Minha avó conta que costumava assistir aos programas de rádio nos tradicionais auditórios, de onde os comunicadores transmitiam seus shows de entretenimento. O puro suco da vida social agitada, quando o normal era gostar de sair de casa, encontrar pessoas, rir em conjunto. A impressão é de que havia mais saúde nas relações interpessoais antes de o entretenimento se resumir a um retângulo que cabe no bolso.

As produções teatrais também sentem esse baque: agora, dificilmente se sustentam sem os incentivos de patrocinadores — ou sem um nome de peso no elenco, pelo menos. Até os canais de televisão, que eram tão fortes há poucos anos, vêm enfrentando dificuldades de reter a audiência, então imagina ainda depender da boa vontade do público para abrir mão de seu conforto e sair de casa, tendo toda a gama de atrativos que hoje carregamos em uma pequena tela na palma da mão… A concorrência é desleal.

Mesmo trancados em nossas cavernas particulares, ficar sem fazer nada pode ser aterrorizante para muita gente. Ao longo da vida, não costumamos ser orientados sobre o valor do tédio. É nele que resolvemos agir para mudar algo, para acabar com um incômodo. Quando estamos anestesiados pelos estímulos audiovisuais, é capaz de as horas passarem sem nos darmos conta, enquanto deixamos rolar no smartphone aquela infinitude de conteúdos inúteis. Será que isso é melhor do que ficar sozinho com seus pensamentos durante alguns minutos? Parece que sim. E bem antes dessa mania coletiva de abafar as próprias reflexões, a banda Biquíni Cavadão já implicava com a falta do que fazer:

“Sentado no meu quarto, o tempo voa. Lá fora a vida passa e eu aqui à toa. Eu já tentei de tudo, mas não tenho remédio pra livrar-me desse tédio.”

Um estudo publicado na revista Science indicou que há quem prefira levar um choque a encarar o tédio. Para a realização da pesquisa, os participantes foram colocados em quartos, onde deveriam ficar sozinhos por quinze minutos — quase uma eternidade para quem não desliga nem durante o sono! No cômodo, não tinham nada para fazer, a não ser uma opção que não soa muito atrativa: podiam apertar um botão que dispararia uma descarga elétrica. Por incrível que pareça, dos quarenta e dois voluntários, quase metade se arriscou nessa aventura chocante ao menos uma vez. Tudo para não precisar lidar com a inquietude da mente.

Mas e a criatividade, onde fica nessa história? O famoso ócio criativo não tem mais lugar diante de tantas opções de entretenimento. Tudo bem, há quem defenda que a tecnologia pode ser uma forte aliada do bem-estar emocional, porque a qualquer momento do dia temos a oportunidade de acessar algum divertimento e deixar que vão pelo ralo os pensamentos negativos. Ao mesmo tempo, nessa ânsia de impedir que o sofrimento psicológico se aprochegue, esvaem-se junto as boas ideias.

Quantas vezes, ao final do dia, você já não pensou: “O que eu fiz hoje?”. Parece que estamos sempre cansados, mas não se sabe de quê. Se essa sensação está presente, o mínimo que esperamos é ver algum resultado. Ninguém é bobo de querer se esforçar se não houver recompensa. E não há. Ao passo que não criamos, não desenvolvemos raciocínios, não botamos novas ideias no papel, esse cansaço é em vão. Estamos esgotando nossas energias acompanhando publicações que, em poucos minutos, provavelmente nem vamos mais lembrar de que se tratavam.

E se tentarmos viver, nem que seja por um dia, como vivíamos antes de a internet dominar nossa rotina? Lembra? Aquele tempo em que ainda tínhamos poder de decisão sobre o que gostaríamos de assistir, sem a interferência de uma inteligência artificial que nos serve goela abaixo uma sopa de entulho com tudo o que queremos e não queremos digerir. Vai ser difícil, mas é um bom exercício de empatia com as novas gerações. Se quem veio da era analógica tem dificuldade de se ver desligado do mundo digital por algumas horas, não podemos julgar aqueles que já nasceram mergulhados em touchscreensappsemojis.

Será que um dia ainda vamos voltar a usar o entretenimento, ou estamos condenados a ser usados por ele? Sinceramente, não sei a resposta. Por um lado, até gostaria de me sentir menos dependente; por outro, me ponho a refletir sobre o assunto, aí os pensamentos inundam a cabeça, começo a cobrar de mim mesmo uma mudança de postura, vem a taquicardia, a ansiedade, calma lá! Um pouco de distração também não faz mal a ninguém. Se liberdade é viver desconectado, que Deus me livre de ser livre.


Neste texto e para ir além:

Documentário: TikTok Boom, na aquarius

Música: Tédio, de Biquíni Cavadão

Programa: PRK-30, com Lauro Borges e Castro Barbosa


Pedro Castro Nunes

Pedro Castro Nunes é redator e produtor audiovisual, apaixonado por televisão, rádio e pela escrita. Como bom observador, escuta mais do que fala, lê mais do que escreve e é impactado mais do que impacta — às vezes, contudo, inverte o jogo.

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