O estresse silencioso e a vingança na hora de dormir

Nesta edição: Reflexões sobre o estresse e o cuidado como uma máquina de moer mulheres

Estresse. Quando eu era criança, achava que o estresse necessariamente vinha acompanhado de gritos, portas batendo e passos furiosos pela casa. Estresse para mim, naquela época, era uma espécie de raiva. Hoje, o estresse é o termo que mais ouvimos: seja no trabalho, no bar, em casa ou no divã. Quem está imune? Ninguém, eu diria. E é bem possível que a sua mandíbula esteja travada enquanto você lê esse texto. Em que momento o estresse virou um estágio quase crônico da nossa rotina? Quando começamos a naturalizar a pressa, o 2x, escovar os dentes como se estivéssemos em um Lava Jato e comer tão rápido a ponto de não saber diferenciar a carne de um chuchu? Afinal, no fim do dia, quanto de energia ainda te sobra?

Nos últimos meses, sendo mãe de uma bebê, madrasta de três crianças, esposa, profissional, filha e tentando equilibrar mil pratos no dia a dia, percebi que o pior estresse é o silencioso. Sabe aquela máxima de todos os pais que ‘’se a casa está silenciosa, é porque a criança está fazendo algo errado”? É por aí. Ele não precisa de alarde, às vezes ele só se alimenta de uma 1h rolando o feed do Instagram, fazendo compras desnecessárias (quem precisa de uma escultura de um cavalo em tamanho real?) e perguntando ao chat GPT porque não existe pêra do amor e só morango do amor. Isso tudo às 3am. No silêncio.

Mas como nenhuma experiência é única, a ciência me mostrou que esse comportamento afeta cada vez mais mulheres e mães ultimamente, e como somos viciados em nomear as coisas, já temos um termo pra isso: revenge bedtime procrastination.

A vingança na cama

Após um dia de trabalho, de cuidado (e não, não estou falando do autocuidado, tá?), de responsabilidade e de mil abas abertas na mente, chega a hora de dormir. Silêncio, ele de novo. Crianças dormindo e um cachorro late pelo bairro. Qualquer pessoa diria: é só fechar os olhos e dormir, certo? Mas não é tão simples.

O termo ‘’Procrastinação da hora de dormir por vingança” surgiu na China, quando trabalhadores da escala 996 (de 9h às 21h, seis dias por semana) relataram o estranho hábito de adiarem o sono para recuperar uma sensação de controle diante de uma rotina de trabalho exaustiva.

Eu não trabalho numa fábrica, com uma escala desumana, mas curiosamente, me vi nesse grupo de mães cansadas que sacrificam o sono pelas redes sociais. Segundo a jornalista da Folha de SP., Joanna Moura, esse hábito é uma espécie de vingança das mães contra si mesmas. É uma retaliação: pessoas que não têm muito controle sobre sua vida diurna se recusam a dormir cedo para recuperar alguma sensação de liberdade durante as madrugadas.

O sono fica prejudicado, o bolso dói (repito: quem precisa de uma escultura em tamanho real de um cavalo?) e o arrependimento vem nos primeiros raios de sol do dia seguinte.

Só os estressados online

O relatório global World Mental Health Day colocou o Brasil como um dos países mais afetados pelo estresse. Segundo a pesquisa, realizada pelo Ipsos, o País ocupa a quarta posição no mundo, ficando atrás apenas da Suécia, líder no ranking, e da Turquia e Polônia, praticamente empatadas no segundo e no terceiro lugar.

Quem sofre mais com os efeitos do estresse no dia a dia? Sim, as mulheres.  A pesquisa também revelou que 46% das mulheres da geração Z enfrentam impactos significativos na rotina devido ao estresse.  Em contraste, apenas 33% dos homens da mesma geração relataram sentir os efeitos no dia a dia.

Na visão dos autores do estudo, essa diferença sugere que as mulheres podem estar lidando com pressões sociais e emocionais de maneira mais intensa, refletindo padrões de comportamento e expectativas de gênero que ainda persistem, como o acúmulo de responsabilidades em casa e no trabalho, expectativas sociais sobre beleza, relacionamentos, maternidade, desigualdade de gênero, discriminação, violência. 

CUIDADO: uma máquina de moer mulheres

Em uma entrevista, o médico e especialista em trauma, Dr. Gabor Maté trouxe um dado devastador: 80% das doenças autoimunes, onde o sistema imune ataca o corpo que deveria proteger, ocorrem em mulheres Ao analisar o contexto em que essas mulheres adoecerem, ele percebeu que todas tinham algumas características em comum. Abaixo, o checklist preocupante:

  1. Elas priorizam as necessidades emocionais de outras pessoas.
  2. Identificava-se com o dever de tomar para si as responsabilidades alheias, principalmente, de filhos e maridos.
  3. Eram pessoas muitos agradáveis, que acham normal reprimir a raiva saudável.
  4. Por fim, todas acreditavam que jamais poderiam decepcionar o sentimento de alguém.

Para muitas pessoas, protagonizar todos os itens acima pode ser um sinal de empatia, amabilidade, amor e até cuidado. Mas, quando o nosso corpo sente tudo isso e transforma em sintomas, quem cuida de quem?

Ainda segundo Gabor, essas crenças levam as mulheres a não dizer ‘não’ e assumir o próprio estresse de maneira cumulativa. E pior: assumir o estresse dos outros também. Esse estresse prejudica o sistema imunológico e ele se volta contra você, em forma de doença.

Um cuidado que custa caro, porque pode custar uma vida.

No livro “Desobediência”, a autora Iana Villela se coloca como uma defensora feroz da delicadeza não feminina, mas humanitária. Afinal, precisamos tratar todos com respeito – o que é a civilidade mínima. Mas não precisamos esmiuçar nossas respostas como se estivéssemos escrevendo uma redação do ENEM, às vezes, um NÃO, já basta. Ele precisa bastar. Ao contrário do que nos foi ensinado na escola, o “não” é uma resposta completa.


Neste texto e para ir além:

Livro: Desobediência, de Iana Villela


Angelica Lino (https://www.instagram.com/angelicalinov) é jornalista, mãe, madrasta, especialista em Literatura e trabalha no marketing da aquarius.

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