Olhe nos Meus Olhos mergulha no universo íntimo e pouco explorado dos médiuns de Nova York. A diretora Lana Wilson acompanha sete profissionais que, entre sessões com clientes em busca de respostas sobre amores, perdas e até mensagens de animais de estimação, revelam suas próprias histórias, fragilidades e caminhos de cura. Sem tentar provar ou refutar a veracidade da clarividência, o filme se concentra no impacto emocional desses encontros, mostrando como, em meio à rotina caótica da cidade, esses momentos de conexão profunda se tornam espaços de escuta, acolhimento e transformação. Acompanhe abaixo a entrevista da diretora para o Screenlate.com, publicada originalmente na íntegra aqui.

Algumas semanas atrás, entrei no Cemitério Green-Wood, no Brooklyn, ao anoitecer, para uma exibição antecipada do novo documentário de Lana Wilson, Olhe nos meus olhos (2024). Cercado por aproximadamente 600 mil dos meus vizinhos falecidos, o ambiente era ideal para mergulhar nessa comovente exploração das práticas e vidas privadas de sete médiuns psíquicos.
O filme transita por sessões aprofundadas entre médiuns e clientes que os procuram em busca de respostas — sobre entes queridos falecidos, futuros parceiros românticos ou até os pensamentos mais íntimos de seus animais de estimação. À medida que nos aproximamos dos médiuns, vemos pessoas que tentam, ao mesmo tempo, usar suas habilidades para sobreviver em Nova York (habilidades que, por acaso, envolvem falar com espíritos) e ajudar outros a curar traumas e lutos, tentando encontrar encerramento para suas próprias feridas profundas.
Wilson não tenta provar nem negar a veracidade da clarividência — ela está muito mais interessada no impacto afetivo que é gerado durante a sessão. Uma semelhança fascinante entre a maioria dos médiuns do filme é o interesse criativo — alguns são cinéfilos — e a experiência nas artes cênicas. Fica claro, porém, que a performatividade não é usada de forma desonesta para atrair clientes, mas sim como a estrutura essencial que torna a sessão uma experiência emocionalmente catártica tanto para o cliente quanto para o médium. Independentemente de realmente conseguirem se conectar a outro plano, eles possuem uma habilidade especial: a de curar pessoas, ou pelo menos ajudá-las a dar o primeiro passo para acessar as emoções necessárias para seguir em frente.
Conversei com Wilson sobre como ela selecionou um grupo tão fascinante de médiuns, o papel de Nova York no filme e como médiuns e o cinema lançam feitiços semelhantes. Nossa conversa foi editada por questões de extensão e clareza.

Stephanie Monohan: Tive uma experiência mágica vendo este filme no Cemitério Green-Wood. Parecia um espaço onde as pessoas poderiam se abrir mais às ideias do filme por causa do ambiente. Era quase como uma sessão com um médium, porque você está em um lugar carregado de ideias sobre morte e vida após a morte, então é possível deixar o ceticismo de lado por um momento.
Lana Wilson: Você sabe, a palavra francesa para uma exibição cinematográfica é “séance” (sessão espírita). Há algo de extra especial no cemitério, mas isso sempre existe em uma sala de cinema. Há esse aspecto ritualístico de entrar, estar ali, se conectar com esses desconhecidos que você vê na tela. A experiência pode ser, ao mesmo tempo, encenada e real. Mesmo que você esteja assistindo a um filme de ficção, a experiência emocional é real.
Às vezes, ir ao cinema ou assistir a uma peça pode parecer mais real e vívido do que a vida real. Sessões com médiuns também podem ser uma forma mais vívida de olhar para si mesmo e para sua vida, justamente por causa do ambiente em que acontecem.

SM: Você teve uma interação com uma médium antes de decidir fazer este filme. Quão cética você estava quando começou a produção? Ou estava mais aberta ao que poderia encontrar no caminho?
LW: Acho que entrei com total ceticismo. Nunca tinha levado a tradição psíquica a sério de forma alguma; via como algo meio trivial. Quando fui a uma médium pela primeira vez, fiquei realmente surpresa por ter encontrado conforto naquilo. O que me marcou não foi tanto acreditar ou não no que ela disse — nem lembro o que ela disse — mas sim o fato de que me senti um pouco melhor depois. Pensei: “Qual será a diferença entre mim e os milhões de pessoas no mundo que procuram médiuns todos os anos? Qual é a diferença entre essas pessoas e os próprios médiuns?”
Isso não é muito diferente de outros sistemas de crença religiosa, que servem como um modelo para entender e encontrar sentido em um mundo que, à primeira vista, não faz sentido algum. Assim como na religião, você pode acreditar em coisas que não podem ser provadas. Mas não é tanto sobre acreditar ou não, e sim sobre o significado que essas interações nos dão.

SM: Sei que você passou por um longo processo para selecionar os médiuns que apareceriam no filme. Você procurava certas qualidades neles? Buscava representar uma gama diversa de práticas ou abordagens?
LW: Conversamos com quase 150 médiuns. Marcamos sessões com eles, mas sem dizer que estávamos fazendo um documentário e procurando participantes. O que eu queria, antes de tudo, eram pessoas genuínas e sinceras no que faziam. Você pode concordar ou discordar se o que dizem é “real” ou não, mas eu queria pessoas realmente em busca de uma conexão com algo maior do que elas próprias, e que quisessem ajudar quem as procurasse. Entendo por que algumas pessoas não gostam de médiuns — existem aqueles que só querem ganhar o máximo de dinheiro possível, explorando pessoas vulneráveis e sendo desonestos sobre o que fazem. Nenhuma dessas pessoas está no filme.
Eu buscava quem estivesse disposto a falar sobre suas próprias dúvidas e questionamentos sobre o trabalho, e que topasse explorar tudo isso. Também queria médiuns que fizessem sessões longas e profundas, e não rápidas e superficiais como as que encontrei na maioria das casas de atendimento de rua. Eu procurava abordagens um pouco diferentes, mas esse grupo acabou tendo mais coisas em comum entre si do que em relação ao universo dos médiuns em geral. Conforme fui conhecendo cada um, percebi que muitos eram cinéfilos e aspiravam a carreiras criativas. Muitos tinham experiência em teatro ou artes performáticas. Isso me interessou muito e fez sentido, já que há um aspecto performático nesse trabalho. Isso não significa que não sejam genuínos — algo pode ser artificial e verdadeiro ao mesmo tempo. Pode ser construído, como uma obra de arte, mas ainda assim conectar-se a você e ser transformador.
A maioria desses médiuns teve uma perda marcante que ainda está processando. Eu queria muito que a segunda metade do filme fosse sobre como lidamos com o luto e a perda, e como as sessões com médiuns são uma das formas de fazer isso. Nesse caso, o curador está processando tanto quanto a pessoa que busca cura. Há tanto em comum entre todos que foi possível fazer um filme sem personagem principal, sem uma história óbvia, mas no qual se pode passar de uma cena para outra carregando uma energia que se mantém, mesmo mudando de pessoa.

SM: Imagino que montar essas sessões em um filme completo tenha sido um processo e tanto.
LW: É um filme que depende muito do efeito cumulativo. Foi, de longe, o filme mais difícil que já editei. Parte disso é por não haver um personagem principal, mas também porque eu queria que tivesse um formato muito específico: começando com os clientes e se ampliando cada vez mais, até terminar com os médiuns num formato de espelhamento.
É uma revelação lenta, deliberada e cuidadosa de que os médiuns são os personagens principais. Isso é desafiador e exige paciência do público. Durante a edição, como o filme é muito sobre o acúmulo e a energia que passa de uma cena para outra, qualquer mudança que fazíamos não podia ser avaliada isoladamente. Eu não conseguia assistir algo fora de contexto; precisava ver desde o começo até aquele ponto para sentir o impacto.
SM: Eu queria muito perguntar sobre uma sessão em especial, a com a médica do pronto-socorro, que abre e fecha o filme. É impactante e prende o espectador no mundo dos médiuns. Você sempre imaginou usar uma única sessão para abrir e encerrar o filme? Como escolheu essa interação para guiar a narrativa?
LW: Eu já tinha começado a trabalhar um pouco com minha editora antes de filmarmos aquela sessão com a médica, e sabíamos que precisávamos encontrar a abertura certa. Percebemos que tinha que ser uma história ou pergunta que não seria feita a um terapeuta, porque, quando o filme começa, você vê o enquadramento da cliente e pensa: “É uma entrevista de documentário? Ela é especialista? É uma sessão de terapia?” Mas a pergunta dela no fim deixa claro que não se trata de terapia — há algo sobrenatural ali.
Assim que filmamos com aquela médica, eu soube que aquela seria a frase inicial do filme — também porque ela era uma pessoa inesperada para visitar um médium. Ela é médica, estudou medicina; não se imagina alguém com esse histórico científico procurando médiuns. Ela também é uma curadora precisando de cura, que é um dos temas do filme. Não tinha como processar um evento aparentemente sem sentido e horrível, e não encontrara uma forma de seguir em frente depois daquilo — por isso foi até lá.

SM: O filme retrata muito bem o trabalho de ser médium. Talvez por causa do aspecto metafísico, as pessoas nem sempre veem isso como trabalho. Mas aqui vemos tanto o lado performático — como a Sherrie lidando com festas para as quais é contratada — quanto o lado terapêutico e o intenso trabalho emocional envolvido. Você quis desmistificar o trabalho de um médium ou mostrar para quem subestima que isso é uma forma real de trabalho?
LW: Acho que existe o estereótipo de que médiuns exploram financeiramente as pessoas, e, de novo, essas não são as pessoas do meu filme, então não posso falar pelo grupo inteiro. Meu foco foi mostrar um grupo genuíno, que não quer explorar ninguém, e olhar para eles como seres humanos. Acho que dá para entender por que isso existe há milhões de anos, muito antes da invenção da terapia ou da própria língua inglesa. Há algo sobre a conexão entre seres humanos e a magia que sentimos quando nos conectamos com outra pessoa — seja por uma leitura psíquica, conversa, arte, performance, o que for. Parece mágica quando nos sentimos vistos. Isso é algo que a IA nunca vai substituir — sempre vai existir.
SM: Acho que isso se entrelaça muito com o quanto o filme é “Nova York”. Há uma mistura contraditória de intimidade e anonimato na cidade, onde você pode ter uma sessão intensa e íntima com alguém que talvez nunca mais veja, mas com quem compartilha uma conexão significativa. É como Nova York ser o único lugar onde se pode chorar em público sem ser julgado. É um cenário muito rico para esse tipo de trabalho. Qual foi o papel da cidade na sua concepção inicial? Outras partes dela surgiram para você durante as filmagens?
LW: Sempre foi um filme sobre Nova York. Moro aqui há 20 anos e estava aqui durante toda a pandemia. Quando começou o lockdown, todos estavam isolados, solitários, assustados e ansiosos com o futuro — mas também percebendo mais do que nunca o valor da conexão presencial. Na minha experiência, as pessoas estavam realmente se apoiando de formas surpreendentes. Durante a pandemia, eu fazia entregas de compras como parte de um trabalho de ajuda mútua, e muitas pessoas que trabalhavam comigo eram enfermeiras. Elas passavam o dia nos hospitais e, no tempo livre, faziam entregas. Eu pensava que não havia outro lugar em que eu preferisse estar durante um trauma global coletivo, porque, de forma estranha, eu me sentia segura aqui. Mesmo sendo um local de tantas mortes e perdas, havia pessoas tentando se ajudar, e você não estava completamente isolado.

Também penso no fato de que os médiuns que escolhi tinham sonhos ligados ao show business e eram batalhadores. Todo nova-iorquino tem um emprego e, ao mesmo tempo, escreve roteiros ou quer montar um espetáculo solo — isso é muito típico daqui. É também uma cidade onde é aceitável estar sozinho.
As pessoas não vêm para Nova York para buscar uma estrutura familiar convencional — não é isso que nos atrai. E os médiuns do filme refletem isso também: moram sozinhos, em apartamentos pequenos e cheios de tributos à arte que amam — como todos nós aqui. É curioso, porque quase não se vê Nova York externamente no filme; ele se passa quase todo em interiores. Há apenas algumas tomadas externas muito selecionadas. Acho que essa interioridade é a essência de Nova York — as pessoas, suas histórias e suas perguntas.
Confira o trailer:
