
Se você conhece a história da Branca de Neve, deve recordar que cada um de seus amigos mineiros de diamantes tinha uma característica correspondente ao próprio nome. De um desses sujeitos, especificamente, confesso que peguei ranço na infância: Soneca. Quando criança, ficava zangado quando o via em cena, já que eu era mestre em não me deixar levar pelo cansaço. “Como pode ser tão fraco?”, este que vos escreve se perguntava. Perdão pelos trocadilhos, mas aí vai mais um: o que me fazia feliz era passar mais tempo possível acordado, lutando contra as pálpebras que insistiam em encerrar o expediente.
Aí o tempo passa, a vida segue, compromissos batem à porta, as responsabilidades cobram disciplina, horário, urgência… e tudo o que a gente começa a querer é desfrutar uma boa noite de sossego. Ou vai dizer que você prefere dormir três ou quatro horinhas em vez de estender até umas oito ou nove?

O advento da luz elétrica veio para nos tirar o sono, literalmente. Antigamente, dormia-se ao escurecer, e o descanso rendia até que o sol raiasse. Quer hábito mais saudável do que esse? Claro que havia alternativas para os notívagos, como velas e lampiões, mas dormir à noite ainda era uma questão cultural mais respeitada do que hoje.
As tentações são muitas: programação ininterrupta na televisão, redes sociais bombando, todo o conhecimento do mundo a um clique… Quem é que não se distrai com tanta interferência na hora de se recolher aos aposentos? Mas aí bate aquela angústia no peito: PRECISO ACORDAR CEDO! Os ponteiros voando, o despertador se aproximando segundo a segundo, uma aflição sem tamanho que causa ainda mais ansiedade e dispersa ainda mais o bendito sono.

Nem todo mundo está preparado para lidar com o resultado daquela conta básica: se costumamos dormir oito horas por dia e chegarmos aos noventa anos, foram TRÊS DÉCADAS SOBRE O COLCHÃO. Perda de tempo? Nem pensar! Aliás, muito pelo contrário, levando em conta que ganhamos em longevidade quando nos permitimos um período de repouso diário que seja suficiente para restaurar as energias. Se em vez das oito horas dedicarmos metade disso, há grande chance de o sistema imunológico não ser capaz de nos manter a salvo por tanto tempo.
Diversos problemas estão associados à privação do sono: doenças cardiovasculares, obesidade, diabetes… Isso sem contar o estresse, que pode acarretar outras questões, como depressão e ansiedade, quando não gerenciado adequadamente. Mas nesta sociedade frenética que exige cada vez mais dedicação a fatores potencialmente contrários ao descanso, o que fazer para dar conta — tanto de dormir como de corresponder às expectativas que pesam sobre nossas cabeças — sem enlouquecer?
O documentário Drogas Inteligentes, que você pode assistir na aquarius, aborda essa temática por alguns vieses interessantes. A produção apresenta a rotina conturbada de Nikolas Badminton, um palestrante que acredita necessitar de mais estímulos para conseguir acompanhar as exigências de sua agenda lotada. É aí que ele começa a experimentar alguns nootrópicos, ou drogas inteligentes, que prometem mais disposição e melhor desempenho cognitivo — prática intitulada biohacking.
Há também outros métodos adotados por Nikolas que são demonstrados no filme, como banho em águas geladas, técnicas de respiração, jejum intermitente e até a administração de microdoses de substâncias alucinógenas. Mas qual seria o limite dessa busca desesperada por mais eficiência? Pessoalmente, entendo que o limite é a qualidade de vida. Não adianta melhorar de um lado e piorar de outro, senão tudo isso se torna uma grande paranoia, uma tentativa frustrada de se cobrir com lençol curto.

Precisamos colocar na balança e entender o que vale mais a pena: criar condições de dormir menos e render mais, com consequências nem sempre favoráveis à saúde, ou criar condições de dormir mais e render mais, com o bem-estar em dia? Afinal de contas, inibir o sono pode ser mais perigoso do que se imagina.
“Estamos indo em direção a um admirável mundo novo. As pessoas esperam que façamos mais, sejamos e alcancemos mais, mas não podemos perder de vista quem realmente somos. Somos humanos, somos mães e pais, somos membros de família, e é isso que é realmente importante na vida.” Nikolas Badminton – Futurista

No livro Por que nós dormimos: A nova ciência do sono e do sonho, o autor e neurocientista britânico Matthew Walker afirma que o descanso regular e de qualidade é capaz de proporcionar benefícios ímpares em todas as fases da vida. Os estudos demonstrados na publicação apontam, inclusive, que quem costuma dormir bem apresenta menos chances de desenvolver câncer e Alzheimer, além de garantir melhor regulação hormonal e redução dos impactos do envelhecimento no organismo.
E aí eu pergunto: não seriam esses os resultados pretendidos a longo prazo por quem deseja hackear o próprio corpo? Prefiro concluir, sem medo de errar, que um bom colchão e um travesseiro são os melhores aliados daqueles que buscam mais disposição, memória aguçada, rapidez nas tomadas de decisões, atenção a detalhes e criatividade efervescente.

Talvez o que nos falte seja estabelecer as circunstâncias necessárias para que o corpo entre naquele fluxo de total entrega aos braços de Morfeu. O deus do sonho da mitologia grega nos deixou de herança essa expressão, mas não a lição de como embarcar confortavelmente em uma noite ininterrupta de sono profundo.
Então lá vai: pratique exercícios regularmente; procure determinar horários de se deitar e se levantar; evite alimentos pesados à noite; opte por luz amarela se preferir um ambiente suavemente iluminado; e mantenha distância de estímulos visuais na hora de dormir. Reservar um momento diário para meditação e yoga também irá auxiliar no relaxamento ideal para alcançar as sonhadas oito horinhas de paz. Se quiser acompanhar aulas práticas de yoga medicinal para transformar sua rotina, busque por Terra Tigre na aquarius e depois me agradeça. A propósito, um episódio específico sobre a insônia estará disponível em breve, hein!
Certo, parece difícil se adaptar logo de cara a essas novas tarefas, eu sei. No início pode até ser, mas não custa fazer um esforço. Seu eu do futuro vai agradecer por você ter pensado nele com carinho. E quando, daqui para frente, te tacharem como uma pessoa dorminhoca, assuma esse papel com orgulho, levante a cabeça e responda sem titubear: “Dá licença que é hora do meu cochilo”. Existe melhor maneira de demonstrar indiferença do que deixar o outro falando sozinho e ir tirar uma soneca? Aliás, Soneca, amigo da Branca, acho que devo a você um pedido de perdão. Hoje te entendo melhor do que ninguém.
Neste texto e para ir além:

Documentário Drogas Inteligentes, na aquarius

Livro Por que nós dormimos, na Amazon

Série Terra Tigre: Yoga Medicinal, na aquarius
